Uma dia desses eu estava na rede do passarinho azul e me deparei com um comentário de uma mulher bem no estilo “ Como PODE os jovens de hoje não se interessam por política? Isso é INACEITÁVEL! Como podem ser tão alienados pipipí popopó…”.
Esse comentário me fez pensar na minha própria jornada de politização.
Na minha época da escola, até os primeiros anos dos anos 2000, qual era o contexto? Eu tinha aula de História do Brasil, mas mais parecia uma lista de supermercado com nomes de presidentes e datas em ordem cronológica. Eu não entendia como aquilo tudo ia me ajudar a entender o mundo à minha volta.
O principal meio de informação era o Jornal Nacional, que os meus pais assistiam todos os dias, mas para mim parecia grego.
Acho que o que eu tirei dessa época foi o interesse em história, como se fosse uma história mesmo de um romance. Algo desse envolvimento afetivo se preserva e tem um papel até hoje. Além disso, eu soube reconhecer o discurso que flertava com o fascismo do atual despresidente e a seriedade do que estava para acontecer, caso ele fosse eleito, muito por conta que eu havia estudado sobre a Ditadura Militar.
Entrei na faculdade e até 2015, 2016, eu continuava boiando politicamente. Nessa época, eu já havia conhecido algumas pessoas mais politizadas da minha idade e eu ia pescando uma coisa ou outra sobre feminismo, esquerda, democracia, protestos, redução de danos, sem ainda saber que eles tinham esses nomes. Eu passei pelo ano de 2012 sem entender em tempo real o que ele significou, mas de uma coisa eu sabia: minha geração havia aprendido a protestar, impressão que se confirma hoje em dia, com mais conhecimento da conjuntura daquele momento. De toda forma, gosto de ser contemporânea dessa parte da história e de ter na memória esses acontecimentos.
Ali pelo ano de 2012, eu vivia um dos piores momentos em termos de saúde mental e acho que também por causa disso eu não me envolvi mais, pelo menos em compreender, o que estava acontecendo.
Os anos foram passando, fiz um Facebook, depois um Instagram e o conhecimento foi ficando mais horizontal. Eu comecei a entender algumas coisas, me reconhecer como feminista e como pessoa com valores que se aproximam da esquerda radical.
As redes foram um ponto de virada na minha compreensão política: era conhecimento sobre política sendo compartilhado de maneira acessível. Isso fez com que eu me envolvesse muito mais no assunto e começasse a entender alguns acontecimentos retroativamente.
No ano de 2017, eu me formei e comecei a frequentar grupos de estudo e de leitura, tentando entender o que eu queria fazer da minha carreira. Ali existiam pessoas que conheciam bem mais sobre política do que eu e o debate nesses ambientes era livre, o que fez com que a politização fosse tão natural quanto respirar.
Esse ambiente junto com a minha graduação em Psicologia me trouxeram uma verdade que se tornaria um dos meus maiores alicerces na hora de pensar a política: não se separa a sua atuação profissional da política. Uma atuação profissional, muito menos a Psicologia, não pode ser neutra. Se a gente pensa em condições básicas para se manter a saúde física e mental de um ser humano, você pensa inevitavelmente em Direitos Humanos, em feminismo. Nesse ponto, já havia ocorrido o impeachment da Dilma e para mim já era claro que aquilo foi um atentado à democracia. Também já me era claro que não é do interesse dos que estão no poder inverter a desigualdade social e que a corrupção não nasceu nem mora no PT. Eu já estava atenta o suficiente para perceber que muitos políticos fazem o que fazem por interesses próprios e que eles dizem o que você quer ouvir para se eleger, mas fazem o que querem. Eu já havia deixado de ser ingênua o suficiente para entender que as minhas boas intenções não moravam nos discursos eleitorais e que eu precisava ir além das aparências se quisesse entender o que estava acontecendo e votar com consciência.
Na eleição de 2018, eu saí do segundo turno chorando, com medo, com pavor do que poderia acontecer. Quando soube no resultado, eu chorei por mais de uma hora. “Como levantar amanhã e continuar a vida, pelos próximos quatro anos?”, eu lembro de ter pensado.
O que eu não havia pensado era que seria muito pior do que eu havia previsto porque além de uma crise moral, humanitária e financeira, chegaria também uma crise sanitária com a pandemia do coronavírus. E o que o despresidente fez, para dizer o mínimo, foi espalhar informações falsas e atrasar a chegada das vacinas, o que foi decisivo para a morte de milhões de brasileiros.
Nessa etapa, eu não tinha mais a opção de não me interessar por política, pois, apesar do isolamento, a política nunca esteve tão próxima.
O isolamento social, o distanciamento do trabalho, o número de mortos que só aumentava, o luto coletivo, a morte de pessoas conhecidas, famosas, anônimas, parentes, amigos, distantes e próximas, privilegiados ou não fez com que eu deprimisse de vez.
Lembro que em uma consulta com o meu psiquiatra na época, ele me perguntou: Você acha que o que está acontecendo agora no mundo piora a maneira como você se sente? Ao que eu respondi: Com certeza.
Na época, eu não entendi a importância que esse diálogo teria para mim. Hoje, sua importância é muito clara, pois ele demonstra o quanto a política havia se tornado íntima para mim, o quanto eu me sentia muito conectada com os acontecimentos coletivos e a realidade de pessoas que eu nem conhecia.
Se, por um lado, isso piorou o meu estado emocional e eu precisei cuidar disso, por outro lado me fez ter uma nova visão de mim mesma como profissional e cidadã, reforçou os meus vínculos com o coletivo e me fez levar muito à sério e considerar da maior importância o meu papel na sociedade.
Falta mais ou menos um mês para as eleições. Eu tenho ouvido podcasts sobre política (alguns deles inclusive se chama presidentes do brasil, alô aulas de história!), tenho me informado sobre os cargos e candidatos, refletido sobre o que eu quero ver representado nos próximos quatro anos e conversado com amigos sobre isso.
Posso dizer que nunca estive tão envolvida com a política.
Agora, gostaria de voltar para o comentário que gerou esse texto e essa reflexão e responder a ele:
Quando eu era jovem, eu não me interessava por política porque eu não tinha condições emocionais para isso e porque as pessoas que me cercavam (escola, família, meios de comunicação) falharam em construir uma ponte entre o meu entendimento na época e o que estava acontecendo.
Acho interessante que os anos passam, mas algumas pessoas hoje em dia que querem mudar o mundo tem o mesmo discurso de alguns dos meus professores há 20 anos. Adotam um discurso indignado e autoritário, achando que estão fazendo algo de novo, sem repensar as estruturas que levaram a isso.
Desse discurso, eu já estou farta porque foi essa estrutura me fez não ser politizada por muitos anos. Foi nadando contra essa corrente que eu cheguei onde estou hoje, por esforço próprio e influência de pessoas que sabem mais do que eu.
E olhe que não foi fácil. Eu me considero uma pessoa bem inteligente, mas tive que voltar trechos de podcasts várias vezes e fazer algumas pesquisas para entender algumas coisas. O que só evidencia a importância das redes, mas também o quanto que os meus privilégios (acesso à internet, saúde, boa alimentação, conhecimento) me ajudaram, privilégios que a maioria não tem, principalmente nesse momento da história, que vemos uma pessoa com fome a cada esquina (e isso nem é uma metáfora).
O que só mostra o quanto é urgente falarmos sobre política, ampliar esse debate, falar em termos simples. Porque, se eu estou entendendo direito, a falta de informação, crenças em informações falsas e a crença inocente no discurso eleitoral foi um dos componentes para chegar onde estamos.
Não acho que eu entenda muito ainda, mesmo me dedicando muito. Não sei se um dia entenderei, mas uma coisa que compreendi é que pode ser confuso também até mesmo para as pessoas que dedicam a vida a estudar a história recente.
Por aqui eu vou tentando: me informando, conversando, debatendo, traduzindo, compartilhando. Eu sou apenas uma pessoa, mas no mundo atual, o nosso poder de influencia nunca pode ser menosprezado.
Não existe uma pessoa apenas que irá tirar o nosso país desse buraco, mas um esforço coletivo. Eu estou tentado fazer o que posso agora. E você, o que tem feito?
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Isabela Lima.
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